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Contribuição Previdenciária Patronal e adicional de férias (Tema 985-RG)

Recentemente — em 31 de agosto de 2020 — o Supremo Tribunal Federal analisou, mais uma vez, sobre quais verbas trabalhistas pode incidir a Contribuição Previdenciária Patronal (CPP), também conhecida como contribuição a cargo da empresa ou, na linguagem comum, INSS Patronal.

A CPP é calculada mensalmente, sobre o total das remunerações pagas aos empregados e trabalhadores avulsos. Entretanto, algumas das verbas trabalhistas, embora sejam direitos dos colaboradores, não se amoldam ao conceito de “remuneração”. E tal conceito é de fundamental importância, porque delimita o poder do Estado Brasileiro para instituir tributos calculados sobre a folha salarial, conforme redação do art. 195, I, a, da Constituição Federal.

Assim como acontece com outras verbas trabalhistas, a incidência da CPP sobre o adicional de férias — tecnicamente chamado “terço constitucional de férias” — já foi analisada pelo Poder Judiciário em diversos processos. Inclusive, a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal oscilou durante bom período, ora decidindo pela constitucionalidade, ora pela inconstitucionalidade da incidência em questão.

O que o julgamento recente teve de diferente é o rito pelo qual se deu: Repercussão Geral (RG). Sempre que o STF julga o mérito de casos com repercussão geral reconhecida, a decisão é replicável a todos os outros casos que discutam a mesma questão. Naquela ocasião, foi julgado o Tema nº 985-RG, fixando-se a seguinte tese: “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”.

Como se percebe, ficou definido que a incidência da CPP sobre o adicional de férias é compatível com os limites traçados pela constituição federal. Mas isso apenas nos casos em que se tratar de férias gozadas. É que analisando primeira minuta[1] dos votos proferidos, os ministros favoráveis à incidência fizeram questão de distinguir casos em que as férias são gozadas daqueles em que são indenizadas.

Nem poderia ser diferente, primeiro porque a própria legislação federal (art. 28, §9, d, Lei nº 8.212/91) determinou que as férias indenizadas e correspondente adicional não compõem o salário de contribuição — somatória das remunerações sobre a qual incide alíquota da CPP. Mas não foi apenas este o argumento decisivo para que os ministros distinguissem férias gozadas de férias indenizadas.

Mencionaram estudo de Maurício Godinho Delgado[2] pelo qual, juridicamente, o adicional de férias é uma figura acessória às próprias férias, o que faz com que tenham a mesma natureza jurídica. Em outras palavras, se as férias forem indenizadas, o correspondente adicional também terá caráter indenizatório.

Já para casos em que as férias são gozadas, o plenário analisou, para resumir de alguma forma, dois critérios: a habitualidade e o caráter remuneratório. Ambos critérios são utilizados em outras demandas judiciais e tem sido amplamente enfrentado — tanto por estudiosos como por juízes e desembargadores — para aferir se a verba trabalhista especificamente considerada pode ou não ser incluída na base de cálculo da CPP.

Relativamente à habitualidade, foi entendido que está presente, tanto por haver uma periodicidade no recebimento da verba enfocada — a mesma das férias — como pela expectativa razoável que os trabalhadores têm de receber pontualmente este adicional.

Já no que tange ao caráter remuneratório, embora não concordemos, foi entendido que ele independe da efetiva prestação de serviços pelo trabalhador. O plenário entendeu que bastaria o fato da verba ‘decorrer’ da relação jurídica de trabalho — “vínculo laboral” — e ser devida após prestação de serviço durante o ano.

Ainda neste âmbito, foi mencionado o art. 148, da CLT, pelo qual as férias têm caráter remuneratório. Este dispositivo legal leva a concluir que, pelo mesmo princípio de que acessório segue o principal (acima analisado), o adicional de férias gozadas também assume o caráter remuneratório.

Ambos critérios já vinham sendo utilizados em outras ocasiões, como na Súmula nº 688 do STF, responsável por esclarecer que a CPP pode incidir sobre 13º Salário, por se tratar de verba cujo caráter é remuneratório. Também no Tema nº 20 de Repercussão Geral, que estabeleceu a incidência da CPP sobre ganhos habituais dos trabalhadores.

Embora o julgamento tenha desvinculado o conceito “remuneração” da necessidade de prestação de serviços diretamente correspondente, a nosso ver, foram consagrados uma vez mais os critérios da habitualidade e do caráter remuneratório como decisivos para verificar se é constitucional ou não a incidência de CPP sobre a verba trabalhista especificamente considerada. Neste sentido, tem o seu mérito, porque possibilita identificar padrões empregados pelo STF no exame de constitucionalidade, técnica que auxilia sobremaneira no estudo de outras questões jurídico-tributárias.

[1] Foram analisadas minutas dos votos proferidos pelos Ministros Marco Aurélio, Alexandre de Moraes e Edson Fachin, arquivos aos quais tivemos acesso por meio do site Conjur.

[2] Curso de direito do trabalho. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 1003.

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