Mello e Mataruco – Escritório de Advocacia Tributária

Imunidade Tributária nas Exportações Indiretas (Tema 674, STF)

Em fevereiro deste ano (2020), o Supremo Tribunal Federal julgou mais um caso sobre imunidades tributárias, desta vez, a respeito das exportações indiretas, isto é, das exportações intermediadas por Trading Company ou Empresa Comercial Exportadora (ECE).

O tema então analisado já vinha gerando debate desde 2005. Se trata de uma restrição que foi imposta pelas autoridades administrativas responsáveis por fiscalizar e arrecadar alguns tributos federais. Referidas autoridades editaram instruções normativas (IN MPS/SRP nº 03/2005 e IN RFB 971/2009) que distinguiam as exportações entre diretas em indiretas para fins de tratamento tributário.

A Constituição Federal quando disciplinou o tema das contribuições sociais e das contribuições de intervenção no domínio econômico (duas espécies tributárias) definiu que as ‘receitas decorrentes de exportação’ seriam imunes a tais contribuições. Isto consta do art. 149, §2, I, CF. A distinção que fora feita em âmbito administrativo resultou em cobrança dessas contribuições sobre receitas decorrentes de exportações ‘indiretas’, mesmo a Constituição não tendo feito semelhante distinção.

Justamente por esse e outros motivos, vários contribuintes ingressaram na justiça pedindo que fosse reconhecida inconstitucionalidade da restrição imposta pela Fazenda Nacional. É que com a cobrança, as receitas decorrentes de exportação acabavam sofrendo uma tributação inconstitucional, porque eram imunes.

Isso fica bastante claro quando se analisa o setor do agronegócio, em que a contribuição ao FUNRURAL assume papel de destaque. Muitos agroprodutores recorrem aos serviços de uma Trading ou Empresa Comercial Exportadora (ECE) para conseguir remeter suas mercadorias ao mercado externo. Nesta modalidade de escoamento, os produtores-vendedores recebem dos adquirentes-exportadores (as Tradings ou ECEs) o valor correspondente pela mercadoria que será exportada. Ocorre que estes valores recebidos – decorrentes de exportação — sofriam tributação do Funrural, nos casos em que esta contribuição é apurada sobre o faturamento.

O STF analisou a questão durante o julgamento do Recurso Extraordinário nº 759.244 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.735. Naquela ocasião foi aprovada, por unanimidade, a Tese nº 674 de Repercussão Geral, esclarecendo que a tributação no caso de exportação indireta era inconstitucional, porque “a norma imunizante contida no inciso I do §2º do art.149 da Constituição da República alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação de sociedade exportadora intermediária”.

Nos seus votos, os Ministros consideraram aspectos profundos e complementares sobre a norma imunizante e a operação econômica, além dos efeitos econômicos que se poderia produzir com a manutenção da tributação inconstitucional. Abaixo, listamos alguns dos argumentos, organizados segundo conveniência didática deste texto.

Interpretação teleológica é um dos argumentos centrais. Significa que a norma precisa ser interpretada de acordo com a razão da sua existência, de acordo com sua finalidade. Os ministros relembraram que sempre que o STF analisa normas de imunidade, o que se verifica é a finalidade da imunidade. São mencionados diversos precedentes nesse sentido. Com isso se concluiu que o dispositivo constitucional precisa ser interpretado de acordo com a sua finalidade mesma.

E sobre a finalidade específica dessa imunidade, também analisando outros precedentes, o Supremo Tribunal Federal esclarecem que é a ‘desoneração da cadeia exportadora’, tendo em vista que não se deve exportar tributos, mas apenas os bens. Este fator fez com que os ministros concluíssem que onerar a tributação indireta acabaria desvirtuando a própria finalidade da imunidade, porque o ônus tributário inevitavelmente repercutiria no preço da mercadoria.

Além disso, os ministros destacaram que a Constituição não fez distinção alguma entre as duas formas de exportação, não fazendo sentido que as autoridades administrativas o distinguissem, ainda mais para onerar as exportações.

Outra questão de grande peso é a ‘Isonomia Tributária’, expressão que designa a necessidade de se conferir tratamento igualitário a todos os contribuintes, sem discriminações contrárias ao ordenamento jurídico. Inclusive, sobre este ponto, o Ministro Luiz Fux fez questão de louvar a sustentação oral que dos advogados. É que a tributação das exportações indiretas acabava gerando um desincentivo a grande parte dos produtores: a todos aqueles que escoavam sua produção através de Trading Company ou Empresa Comercial Exportadora.

Esta questão merece destaque porque onerando a exportação daqueles que necessitavam de um agente exportador, acabava-se privilegiando os que detinham poderio econômico suficiente para negociar sua produção diretamente no mercado externo. Este fenômeno é contrário até à própria proteção da livre concorrência, por favorecer concentração dos mercados nas mãos daqueles que já detém grande fatia, pelo desincentivo dos novos players.

Também foi mencionado que o papel das exportadoras era tão somente o de agenciar. Este argumento — do agenciamento — visualiza na exportação indireta não uma sucessão de operações economicamente distintas e autônomas, mas um conjugado de etapas sucessivas cuja única finalidade é exportar a mercadoria. Com isso, a venda doméstica (do produtor-vendedor ao comprador-exportador) não faz sentido se não for considerada no todo da exportação. A conclusão inescapável foi que a distinção realizada pelas autoridades era incompatível com a própria realidade jurídica da operação.

Durante o julgamento, os ministros fizeram questão de esclarecer que, para fins da imunidade então discutida, seria irrelevante a exportação ocorrer por meio de Trading Company ou por meio de Empresa Comercial Exportadora (ECE). Segundo afirmaram, embora as Tradings contem com o Registro Especial (SECEX/DECEX/MDIC), a imunidade analisada não se restringe às operações realizadas por intermédio destas companhias.

Este julgamento do STF representa não somente uma vitória para o contribuinte brasileiro, que conseguiu ter seu direito protegido na suprema corte pátria, mas também um ganho para toda a comunidade jurídica, que viu o direito vigente, fundado na Constituição Federal, ser respeitado e reafirmado de forma clara e bem fundamentada, conforme preceituam máximas historicamente consagradas como a Segurança Jurídica e o Estado Democrático de Direito.

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