Mello e Mataruco – Escritório de Advocacia Tributária

A lei que manda o Poder Público pagar mais caro 

A Lei 14.442/22, que está em vigor há quase dois anos, alterou a Lei 6.321/76 e passou a proibir a concessão de qualquer tipo de deságio ou desconto sobre o valor contratado pelos empregadores do Poder Público (lê-se governos federal, estaduais e municipais) no fornecimento de vale-alimentação (VA), além de determinar a necessidade de pré-pagamento, ou seja, pagamento pelos contratantes antes de fornecimento do VA aos beneficiários. 

Na prática, trata-se de uma interferência indevida no livre exercício da atividade econômica, na livre iniciativa e livre concorrência, porque a nova legislação impede que empresas contratantes e fornecedora de vale-alimentação ofereçam descontos aos seus clientes.     

Tal proibição levou a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) a ajuizar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.248/DF, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal (STF), já que a referida norma não distinguiu a situação da Administração Pública enquanto empregadora, o que tem potencial de causar nefastos efeitos às contas públicas.

A princípio, a vedação à concessão de descontos ou deságios não deveria ser aplicável aos órgãos da Administração Pública, pois nos termos da Lei 6.321/76 (com redação dada pela 14.442/22) referida proibição (art. 1.º, §4.º, I) só atinge as “pessoas jurídicas beneficiárias” (art. 1.º, §4.º, caput), que vem a ser as pessoas jurídicas que deduzem o dobro das despesas realizadas no âmbito do Programa de Alimentação ao Trabalhador (PAT) do lucro tributável por Imposto de Renda (art. 1º, caput). A Administração Pública não recolhe Imposto de Renda (conforme imunidade do art. 150, VI, “a”, Constituição Federal), logo não é beneficiária e não poderia ser atingida pela nova vedação legal.

Todavia, diversos julgados do Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e do Tribunal de Justiça de São Paulo determinaram a aplicação da vedação de concessão de “deságio” (desconto) da Lei 14.442/22 para órgãos públicos, dado que não houve ressalva expressa da situação específica do Estado em referida lei.

Essa estranha situação, além de violar a supremacia do interesse público sobre o particular, o princípio constitucional da eficiência, a economicidade que deve nortear as contratações pela Administração, bem como inviabilizar o caráter competitivo das licitações que são obrigação dos órgãos públicos na contratação desses serviços (proíbe aquele que sempre foi o critério utilizado nos certames para fornecimento de vale-alimentação: menor preço ou maior desconto concedido), faz com que a Administração tenha que pagar mais caro para o fornecimento de vale- alimentação aos seus funcionários públicos.

Conforme parecer do renomado Professor Marçal Justen Filho juntado recentemente aos autos da supracitada ADI 7.248/DF, há significativa elevação das despesas públicas, além de indevida estipulação de pré-pagamento, sem qualquer contrapartida ou benefício compensatório à Administração. Menciona-se, no item 157 de referido parecer, que uma estimativa já feita sobre os reflexos de referida lei indica aumento de custos – apenas no Estado de São Paulo – de quase R$ 300 milhões nos próximos cinco anos. 

Deve ser ressalvado que a justificativa dada pelo ex-ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni na mensagem de encaminhamento de Medida Provisória para o Congresso Nacional convertê-la na Lei 14.442/22  de que haveria duplo benefício às empresas optantes do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), “com a isenção de imposto de renda e com as taxas de deságio concedidas pelas facilitadoras contratadas” – não se aplica aos órgãos da Administração Pública, pois estes gozam de imunidade recíproca quanto a Imposto de Renda (art. 150, VI, “a”, Constituição Federal).

Também, não há qualquer prejuízo ao trabalhador. A diferença entre o valor concedido (“cheio”) e efetivamente pago, bem como despesas operacionais das empresas fornecedoras de vale-alimentação, é custeado pelos estabelecimentos comerciais que aceitam o benefício em livre iniciativa, os quais concedem descontos comerciais para as fornecedoras.

Vê-se, portanto, que referido custo adicional não tem qualquer sentido ou justificativa republicana. Sendo assim, pergunta-se: quem ganha com isso?

Jamol Anderson Ferreira de Mello é advogado graduado pela UNESP; pós-graduado em Direito Tributário Constitucional pela PUC de São Paulo; e pós-graduado em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP.