Muito se discute sobre a necessidade de oferecimento de bens à penhora suficientes para a garantia do Juízo no processo de execução fiscal como requisito para a oposição de embargos.
Há algum tempo que no processo de execução em geral não é necessário o oferecimento de garantia do Juízo para a oposição de embargos, sendo que o artigo 914 do Código de Processo Civil (CPC – Lei 12.105/15) em vigor estipula que “O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos”. Ainda de acordo com o regramento geral do CPC, os embargos não possuem efeito suspensivo (Art. 919, caput), mas este poderá ser excepcionalmente deferido a requerimento do executado se “verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes” (Art. 919, §1.º, CPC).
De outro modo, de acordo com a disciplina específica da Lei de Execuções Fiscais (LEF – Lei 6.830/80), a garantia da execução fiscal sempre foi requisito para o conhecimento dos embargos. Tanto que estipula o Art. 16, §1.º da LEF que “Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução”.
Lembra-se ainda que a ordem de preferência dos bens a serem oferecidos à penhora (Art. 11, LEF i) – que prevê dinheiro como primeiro bem a ser penhorado e, por exemplo, imóveis somente em quarto lugar na lista – é entendida pela jurisprudência como de obediência obrigatória, e inclusive dá à Fazenda Pública o direito de não aceitar bens oferecidos fora dessa ordem de preferência e requerer penhora de dinheiro, pelos já comuns pedidos de penhora online ii.
Inclusive, somente em situações excepcionalíssimas, e com a prova pelo executado no caso concreto de inexistência de prejuízo ao credor e menor onerosidade ao devedor, é que se admite a desobediência da ordem de preferência de garantias prevista pela LEF para a apresentação ou substituição de garantias (Arts. 805, parágrafo único e Art. 847, CPC) iii.
Não é demais lembrar ainda, no calvário enfrentado por diversos contribuintes, que:
- somente é admitida a substituição de garantia, independente de anuência da Fazenda Pública, quando for oferecido dinheiro, seguro garantia ou fiança bancária, por estes últimos serem legalmente equiparados (art. 15, LEF) ao primeiro bem na lista de preferência do art. 11 da LEF (RESP n.º 1.090.898/SP, julgado sob o rito dos recursos repetitivos – inteiro teor em nota de fim [i]);
- precatórios não se equiparam a dinheiro, ainda que o devedor seja a própria Fazenda Pública exequente, e sim a título de crédito/direito (art. 11, VIII, LEF), e portanto a Fazenda Pública pode rejeitar a substituição de penhora de outros bens por precatório (Súmula 406, STJ);
- A penhora online independe de esgotamento de todos os outros meios de penhora pelo devedor, bastando o não oferecimento de bens pelo executado no prazo legal ou a rejeição da garantia ofertada pela Fazenda Pública exequente para que seja realizada tal providência (STJ, RESP 1.184.765/PA, Tema de Recursos Repetitivos 425/STJ iv);
- Apesar de jurisprudência firmada no STJ na vigência do antigo CPC de que a penhora online depende de requerimento do credor/exequente, alguns Juízos estão determinando a diligência ex officio se não houver nomeação de bens à penhora no prazo legal, por interpretação do art. 185-A do Código Tributário Nacional (CTN);
- A penhora de faturamento, que tem voltado à baila nos últimos tempos, depende de esgotamento das diligências anteriores de localização de bens e direitos em nome do contribuinte executado e não pode inviabilizar a continuidade do negócio, por se equiparar à penhora do próprio estabelecimento ou empresa v.
Mas há casos em que a garantia do Juízo da execução – requisito específico dos embargos na seara tributária – não é possivel. Isso pode se dar, por exemplo, por dificuldades financeiras/patrimoniais do contribuinte, ou por montantes vultuosos da execução. Inclusive, essa última situação não é incomum, dado que muitas vezes a execução fiscal retrata períodos extensos de atividade econômica do contribuinte. Nesses casos, a jurisprudência pátria formou-se há muito tempo sobre a impossibilidade de conhecimento dos embargos, por ausência do requisito específico de garantia do Juízo previsto pelo Art. 16, §1.º da LEF. Inclusive, naqueles casos em que houve penhora de valor ínfimo em relação à dívida, os embargos à execução fiscal não eram conhecidos, como podemos ver dos julgados abaixo transcritos:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1. O e. Juiz a quo decidiu acertadamente pela impossibilidade de recebimento dos embargos à execução. A hipótese realmente não se trata de insuficiência de penhora, mas sim de sua inexistência, já que o valor bloqueado (R$13.485,86) é ínfimo em relação à dívida executada (R$2.458.564,55). (…)
5. Apelação improvida.
(AC – Apelação Civel – 570732 0014766-91.2012.4.05.8300, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 – Primeira Turma, DJE – Data::18/06/2014 – Página::203.)
EMBARGOS À EXECUÇÃO. GARANTIA. PENHORA DE BENS EM VALOR ÍNFIMO EM RELAÇÃO AO MONTANTE DO DÉBITO.
A penhora de bens em valor ínfimo não garante a execução, de modo que os embargos devem ser rejeitados.
(AC – APELAÇÃO CIVEL 2001.70.00.033635-5, VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, TRF4 – PRIMEIRA TURMA, D.E. 19/01/2010.)
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. ART. 1.021, CPC. APELAÇÃO. REJEIÇÃO LIMINAR DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. GARANTIA IRRISÓRIA FRENTE AO DÉBITO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
(…)
4. Todavia, a hipótese dos autos não se trata de mera insuficiência de garantia, a permitir o prosseguimento dos embargos, mas de penhora de bem móvel de valor irrisório frente ao débito, que mais se aproxima da situação de inexistência de garantia da execução.
5. A constrição de montante ínfimo inviabiliza que sejam opostos ou processados os embargos à execução, já que, em que pese seja válida a penhora sobre tais valores, não se pode afirmar, de maneira alguma, que o juízo esteja sequer parcialmente garantido.
(…)
7. Agravo interno desprovido.
(ApCiv 0004978-97.2006.4.03.6108, DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI, TRF3 – SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/05/2019.)
Muitas situações absurdas – e violadoras do princípio da ampla defesa (art. 5.º, LV, CF) e da inafastabilidade da jurisdição (art. 5.º, XXXV, CF) vi – advinham dessa posição. É que muitas vezes não era possível a garantia do Juízo ou o valor de bens oferecidos/penhorados era ínfimo em razão do valor da dívida, e assim os embargos não eram recebidos.
Convém ressalvar que a exceção de preexecutividade, apesar de sempre ter estado à disposição dos contribuintes, é defesa restrita a matéria de ordem pública ou de conhecimento de plano pelo Juízo.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 1.127.815/SP sob o rito dos recursos repetitivos, decidiu que “A insuficiência de penhora não é causa bastante para determinar a extinção dos embargos do devedor, cumprindo ao magistrado, antes da decisão terminativa, conceder ao executado prazo para proceder ao reforço, à luz da sua capacidade econômica e da garantia pétrea do acesso à justiça.”. Na mesma decisão, foi esclarecido ainda que “conquanto a insuficiência patrimonial do devedor seja justificativa plausível à apreciação dos embargos à execução sem que o executado proceda ao reforço da penhora, deve ser a mesma comprovada inequivocamente”. Assim, finalmente houve a formação de um consenso jurisprudencial sobre hipóteses em que podem ser conhecidos os embargos, ainda que não haja garantia do juízo:
- se a garantia é insuficiente, o Juízo deve conceder ao executado prazo para reforço de penhora, “à luz da sua capacidade econômica”, ou seja, nos limites de suas disponibilidades;
- se não for possível o reforço de penhora, é possível o conhecimento dos embargos, mas a prova da insuficiência patrimonial é do executado/embargante.
Apesar de a supracitada decisão, proferida pela 1.ª Seção do STJ em 2010, ter trazido certa estabilidade de garantia de defesa aos contribuintes executados, algumas questões ainda são usualmente trazidas à tona.
É o caso do não conhecimento de embargos à execução fiscal por intempestividade, quando realizado reforço de penhora após uma garantia ínfima. Explica-se: em uma execução fiscal, há uma primeira penhora de valores ínfimos, a Fazenda Pública pede reforço de penhora e, encontrados bens em valor suficiente para garantia da dívida ou boa parte dela, o executado opõe embargos. Há julgados no sentido de que nessa hipótese haveria intempestividade dos embargos à execução fiscal, dado que o prazo seria contado da primeira penhora. Todavia, especialmente nos casos em que não houve intimação do executado para reforço da garantia ou comprovação de insuficiência patrimonial (RESP 1.127.815/SP), entendemos que os embargos apresentados tempestivamente após a segunda (e efetiva) penhora devem ser conhecidos, eis que a primeira (e ínfima) penhora equivale à não apresentação de garantia, e se houvesse o contribuinte oposto embargos naquele primeiro momento, não seriam eles conhecidos vii. Assim, apenas na segunda (e efetiva) penhora – total, ou parcial se comprovada a insuficiência patrimonial do executado – é que se abre o prazo para os embargos, como decidido corretamente no seguinte caso:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. INTEMPESTIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. A PENHORA ONLINE NÃO PODE SER CONSIDERADA COMO INÍCIO DO TERMO PARA A OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO TENDO EM VISTA O VALOR ÍNFIMO ENCONTRADO DE R$ 94,35 PARA UM DÍVIDA CUJO VALOR DISCUTIDO É DE R$ 165.348,70. A SEGUNDA PENHORA RECAIU SOBRE BEM DE TERCEIROS. EMPRESA QUE SE ENCONTRA EM RECUPERAÇÃO FISCAL. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA QUE SE ANALISE OS EMBARGOS DO DEVEDOR. PRECEDENTE. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA , O RESP 1.116.287-SP . APELAÇÃO PROVIDA.
1 – A sentença não admitiu os embargos à execução devido à intempestividade, uma vez que a contagem inicia-se a partir da intimação da primeira penhora.
2- Contudo, não desprestigiando o entendimento adotado na douta sentença, há no pedido recursal um caráter emergencial que merece ser reconhecido em qualquer instância, sob pena de encobrir-se uma nulidade formal apenas para considerar o aspecto adjetivo da lei.
3 – Pois bem, dos autos extrai-se que houve a primeira penhora, ocorrida em 26.01.2012, a qual não obteve êxito, uma vez que apurada a ínfima quantia de R$ 94,35 ( noventa e quatro reais e trinta e cinco centavos), mediante o sistema BACENJUD. A segunda penhora, ocorrida em 16/10/2013, o oficial de justiça penhorou bem imóvel de outra empresa do grupo econômico integrado pela devedora.
4 – Há de afastar-se a alegação da dita primeira penhora, para considerar a tempestividade dos embargos à execução, opostos quando da penhora de bem imóvel de pessoa jurídica diversa da executada, mesmo considerando a irregularidade de sua constrição.
5 – A questão ora apresentada merece ser analisada tendo em vista à alegação de matéria suscetível de ser apreciada a qualquer tempo, conforme reconhecido, em sede de Recurso Repetitivo, no Representativo de Controvérsia, o REsp 1.116.287-SP.
6 – Ultrapassado o requisito da intempestividade, há de remeterem-se os autos ao Juízo de Origem para que se prossiga na apreciação dos embargos do devedor.
7 – Apelação provida.
(AC – Apelação Civel – 573041 0001664-32.2013.4.05.8311, Desembargador Federal Lazaro Guimarães, TRF5 – Quarta Turma, DJE – Data::02/10/2014 – Página::317.)
Vê-se que são vários os nuances para o conhecimento de embargos à execução fiscal, considerando o requisito específico de garantia do Juízo determinado pela Lei de Execuções Fiscais.
* Jamol Anderson Ferreira de Mello
OAB/SP 226.577
Advogado especializado em Direito Tributário
Graduado em Direito e Empresa pela Universidade Estadual Paulista – UNESP
Pós-Graduação (Lato sensu):
● Direito Tributário Constitucional pela Coordenadoria Geral de Especialização,
Aperfeiçoamento e Extensão da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(COGEAE – PUC/SP);
● Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo (FDRP/USP).
jamol@mellomataruco.com.br