Mello e Mataruco – Escritório de Advocacia Tributária

STF DEFINE QUE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO INTELECTUAL PODE SER REALIZADA POR PESSOA JURÍDICA

OS IMPACTOS DO JULGAMENTO DA ADC 66 NA TRIBUTAÇÃO

 

Jamol Anderson Ferreira de Mello

 

No dia 18 de dezembro de 2020 o Supremo Tribunal Federal encerrou julgamento que declarou a constitucionalidade do art. 129 da Lei nº 11.196/2005, norma que estabelece: “Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.“.

Com isso, restou validada a aplicação de regimes fiscal e previdenciário de pessoas jurídicas para prestadores de serviços intelectuais que se utilizam de empresas para venda de suas atividades, com carga tributária bem menor que os 27,5% de imposto de renda (IRPF) exigidos da pessoa física, além de elevados encargos previdenciários para o contratante. Ademais, os autos de infração lançados com multas agravadas de 150%, por indevida alegação de fraude dos contribuintes, devem ser cancelados.

A declaração de constitucionalidade de referida norma deve ser comemorada, como decorrência da garantia do livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5.º, XIII, CF/88), e por prestigiar a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica (Art. 170, caput e parágrafo único, CF/88).

Ora, se desde a reforma trabalhista é possível a terceirização plena das atividades da empresa (inclusive atividades-fim), em se tratando de serviços intelectuais – que pressupõem discernimento e livre pactuação dos serviços pelo contratado – não se mostrava razoável a postura da Fazenda Nacional de desclassificação de vínculos cíveis de contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços de natureza científica, artística ou cultural, ainda que envolvessem obrigações de caráter personalíssimo, para considerar o vínculo como de prestação de serviços por pessoas físicas.

Apesar de louvável a decisão, não há segurança que todas as questões que orbitam esse assunto serão resolvidas a partir do julgamento do Excelso Tribunal. É que, a despeito das decisões proferidas pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade deverem ser obedecidas por todos os órgãos e tribunais administrativos e judiciais, há nuances que ainda deverão enfrentar questionamentos.

Uma primeira preocupação, mesmo que elementar, merece ser levantada e tem sido esquecida pela comunidade jurídico-tributária. O julgamento do Supremo não valida situações de fraude ou simulação de contratação de pessoas jurídicas, mormente se houver plena verificação dos requisitos de uma relação de emprego. Esse ponto deverá ser utilizado pela Fazenda Nacional, tanto administrativa como judicialmente, na luta pela manutenção de suas autuações em muitos casos. De outro prisma, os contribuintes deverão se apegar à necessidade de demonstração dos requisitos do art. 50 do Código Civil para a desconsideração da personalidade jurídica mediante procedimento judicial, ou seja, necessidade de demonstração pelo fisco de confusão patrimonial ou desvio de finalidade (utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza), sendo que não poderá o Fisco alegar que essa última hipótese se faz presente quando uma das finalidades da utilização de pessoa jurídica é a elisão fiscal, planejamento tributário lícito e eficaz.

Outro ponto que merece destaque é a possibilidade de exploração, por meio de pessoas jurídicas, do direito de imagem de personalidades públicas da televisão e do esporte. Isso porque a posição jurisprudencial do CARF sobre o assunto até o momento é de que a exploração do direito de imagem não teria natureza de prestação de serviço intelectual. Parece-nos, todavia, que em ambos casos há de se considerar os profissionais como artistas, e sim, há serviço intelectual prestado por empresas constituídas por eles, ainda que os contratos prevejam obrigações de caráter personalíssimo.

A evolução de nossas relações profissionais e destravamento das dinâmicas de contratação no Brasil devem ser louvadas, mas os debates ainda estão longe de terminar.

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