Eduardo Fernandes Alves dos Santos
Segundo estudo do Insper, em 2019, o contencioso tributário representava pelo menos R$ 5,4 Trilhões, isto é, cerca de 75% do PIB daquele mesmo ano. Este número engloba tanto as discussões administrativas como as disputas judiciais.
Outro número que talvez ajude a contextualizar este artigo é que as Execuções Fiscais, em 2019, representaram 39% de todos os casos pendentes no Poder Judiciário, sendo que a cada cem execuções fiscais que tramitaram naquele ano, apenas 13 foram baixadas.
Com isso, temos uma ideia mais numérica de quão relevantes são institutos que se prestem a reduzir a quantidade de execuções fiscais que abarrotam o poder judiciário. Vemos a importância de encaminhamentos definitivos para as cobranças que, se por um lado perseguem créditos de liquidação duvidosa, por outro, oneram excessivamente os órgãos daquilo que chamamos “Justiça”.
Nenhuma dívida humana pode ser eterna e nenhum litigante inerte merece socorro do direito. Sob estas duas máximas forjou-se o instituto da prescrição intercorrente, tema deste texto.
Referido instituto opera da seguinte maneira: quando decorre um período determinado sem que o credor (Fazenda pública, no caso) tome providências úteis para que a execução fiscal gere resultado esperado (recebimento do valor devido), o crédito tributário será extinto e a execução se tornará nula. Em resumo, são importantes duas informações: (1) saber qual o prazo em questão e (2) saber quais as condutas que interferem na contagem desse prazo.
O art. 174, caput, Código Tributário Nacional previu que prazo prescricional para cobrança dos créditos tributários é quinquenal. Em seu parágrafo único estão previstas as causas interruptivas de referido prazo, isto é, marcos a partir dos quais deve ser retomada inteiramente a contagem dos cinco anos para extinção da pretensão executiva.
Além das hipóteses interruptivas previstas pelo art. 174, Código Tributário Nacional (CTN), é importante atentar para as causas suspensivas do prazo prescricional intercorrente, estas listadas no art. 151 do CTN bem como no art. 40 da Lei de Execuções Fiscais (LEF – Lei nº 6.830/80). A diferença entre interrupção e suspensão é que, naquele, a contagem reinicia, neste, suspende-se.
Sendo o contencioso tributário brasileiro farto como os números mostraram, a matéria aqui enfocada foi amplamente enfrentada pelas Cortes Superiores, sendo que o Superior Tribunal de Justiça já proferiu diversos precedentes vinculantes pacificando aspectos antes controversos sobre a contagem da prescrição intercorrente.
Nem poderia ser diferente. Ante o volume de discussões tributárias, o Judiciário tem de adotar mecanismos para uniformizar e, assim, agilizar a compreensão jurídica que se deve ter de determinadas condutas, ora do devedor (contribuinte), ora do credor (fazenda pública).
Uma dessas condutas foi aquela em que a Fazenda Pública se limita peticionar em juízo requerendo penhora online infindáveis vezes, como se esta diligência, por si, já interferisse na contagem do prazo prescricional. A este respeito já foi esclarecido (Tema nº 568-RR) que tais peticionamentos não são aptos para suspender o prazo prescricional, sendo necessária a efetiva penhora.
Melhor dito, a conduta enfocada, se desacompanhada de efetiva constrição patrimonial, não assume qualquer relevância jurídica para cômputo do prazo prescricional. Do contrário, se estaria prestigiando a perpetuidade das obrigações, já rechaçada pelo nosso ordenamento jurídico.
Outra conduta muito comum, também da fazenda excepta, é deixar de requerer expressamente o sobrestamento da execução, certamente numa tentativa de “adiar” a suspensão referida no art. 40, §§1 e 2, LEF. O efeito pretendido é ganhar tempo, prolongar o máximo possível a existência da execução fiscal, tendendo, novamente, à perpetuidade das obrigações.
Justamente por isso o STJ também se manifestou expressamente, pacificando entendimento de que aludida conduta não pode ser prestigiada. Fê-lo através do Tema nº 566 de Recursos Repetitivos, esclarecendo que o sentido do art. 40, §§1 e 2, LEF de contornos bem específicos, começando a correr a suspensão de um ano de forma automática, contada após a notificação sobre inexistência de bens penhoráveis. Confira-se trecho de irrepetível clareza do leading case:
Nem o Juiz e nem a Procuradoria da Fazenda Pública são os senhores do termo inicial do prazo de 1 (um) ano de suspensão previsto no caput, do art. 40, da LEF, somente a lei o é (ordena o art. 40: “[…] o juiz suspenderá […]”). Não cabe ao Juiz ou à Procuradoria a escolha do melhor momento para o seu início. No primeiro momento em que constatada a não localização do devedor e/ou ausência de bens pelo oficial de justiça e intimada a Fazenda Pública, inicia-se automaticamente o prazo de suspensão, na forma do art. 40, caput, da LEF. Indiferente aqui, portanto, o fato de existir petição da Fazenda Pública requerendo a suspensão do feito por 30, 60, 90 ou 120 dias a fim de realizar diligências, sem pedir a suspensão do feito pelo art. 40, da LEF. Esses pedidos não encontram amparo fora do art. 40 da LEF que limita a suspensão a 1 (um) ano. Também indiferente o fato de que o Juiz, ao intimar a Fazenda Pública, não tenha expressamente feito menção à suspensão do art. 40, da LEF. O que importa para a aplicação da lei é que a Fazenda Pública tenha tomado ciência da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido e/ou da não localização do devedor. Isso é o suficiente para inaugurar o prazo, ex lege. (REsp 1340553/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/09/2018, DJe 16/10/2018)
Em desconfiando-se de ardil no que toca ao início da suspensão anual prevista pela LEF, não poderia ser diferente com relação ao seu termo. Neste sentido, novamente foi preciso esclarecer que a contagem do prazo prescricional se inicia automaticamente, após decurso da suspensão anual (Tema nº 567-RR). Referida pacificação foi acertada, uma vez que aguardar requerimento da fazenda ou despacho do juízo pode ser demasiado custoso, fazendo mais uma vez perpétuas as obrigações.
Como se vê, foi bastante explícita a Corte Superior responsável por pacificar entendimentos no que toca à legislação federal (caso da LEF e do CTN). Fez questão de apreciar diversas condutas reiteradas sob o rito dos precedentes vinculantes e consignou no paradigma detalhamentos valiosos a respeito da ratio decidendi.
Levando-se em conta as observações acima, quando o contribuinte contar cinco anos ou mais sem que haja uma causa interruptiva ou suspensiva do prazo prescricional, o resultado será a extinção do crédito tributário (art. 156, V, CTN) e constatação de nulidade da execução fiscal (art. 803, I, CPC).
Analisar prescrição sempre envolverá diversas variáveis, mas uma boa técnica é estudar os dados de cada caso identificando os marcos temporais que tenham relevância jurídica e conferir os entendimentos dominantes —e mesmo vinculantes— sobre cada um deles.
Não é raro que contribuintes sejam onerados injustamente com o estigma de uma execução fiscal em que já decorreu completamente o prazo prescricional, acarretando tanto a extinção da dívida —deixa de existir no ‘mundo do direito’— como a nulidade do processo judicial.