Mello e Mataruco – Escritório de Advocacia Tributária

Os repasses de ICMS para os municípios de São Paulo

João Pedro Silva de Toledo

 

Esse artigo é o segundo de uma série de três textos que visam refletir e debater sobre o repasse de ICMS para os municípios.

Existe um vídeo na internet que viralizou nos últimos anos onde um professor, na tentativa de convencer seus alunos a lerem Kant, pergunta se eles têm brio. E prossegue sua fala, dizendo que, ao não se esforçarem a entender textos difíceis, eles deixariam outros homens dominarem suas mentes. É natural que as pessoas busquem opiniões renomadas para formar sua própria convicção sobre um assunto e não gastar horas estudando o tema. Afinal, se um crítico de cinema afirma que um filme é ruim, não há razão de perder seu tempo assistindo-o. Pois é exatamente isso que o tal professor criticava. O leitor prefere deixar que indivíduos estranhos pautem sua capacidade de reflexão ou opta por ter um raciocínio próprio sobre as questões do mundo?

É nesse sentido que se avalia este texto como o mais importante da série sobre os repasses municipais, apesar de ser o mais difícil dos três. O primeiro artigo, uma reconstrução histórica sobre o tema, talvez agrade um certo público que por ventura se interesse sobre a história do Brasil e da política brasileira. O terceiro, quando finalmente se demonstrará a crítica a qual essa série se propõe a fazer, será a parte interessante do tema, onde ficará evidente as injustiças que os cidadãos arcam dentro das finanças públicas. Por sua vez, esta publicação trata da parte mais técnica do assunto, cujos únicos interessados em estudar de forma profunda são advogados e economistas.

Acontece que é importante fazer o esforço de compreensão de algo mais específico, para que ninguém – nem mesmo este escritor – trace todas as indagações que passam sobre a cabeça do leitor. Se se deseja entender e mesmo discordar da crítica a qual será feita, então é obrigatório chegar ao final deste texto.

Conforme já explicado no artigo anterior, 25% do ICMS arrecadado pelos Estados deve ser obrigatoriamente repassado aos seus respectivos municípios. Essa regra está prevista no artigo 158, inciso IV da Constituição Federal. Dentro deste montante, pelo menos 65% deve ser repassado de acordo com o valor adicionado pelo município, enquanto 35% é de livre distribuição conforme lei estadual desejar.

Para a repartição de ICMS do Estado de São Paulo, há a Lei Estadual 3.201/81 como fonte reguladora. Daqueles 25% de repasse obrigatório que preceitua a Constituição Federal, o governo paulista resolveu distribuir 75% em relação à média dos dois últimos anos de valor adicionado de cada município. Nota-se que o índice é maior que o mínimo constitucional de 65%, mas apenas por um fator prático. Até 2020, o piso da Constituição era de 75%, sendo que a porcentagem foi alterada pela Emenda Constitucional 108/2020. Portanto, apenas não houve interesse político de atualizar o peso do valor adicionado no cálculo das transferências.

Conforme artigo 3º da Lei Complementar 63, valor adicionado é uma forma jurídica de expressar a quantidade de ICMS que incidiu sobre todas as operações realizadas em um determinado território. Entretanto, não basta verificar apenas o que foi produzido, mas também descontar todas as operações de entrada sobre esse cálculo. Por operação de entrada, entende-se qualquer aquisição de um produto por uma empresa que não visa o consumidor final como também as devoluções e retornos de mercadorias. Essa dedução existe pela forma como funciona o ICMS, que incide sobre o consumo final e evita tributar várias vezes a cadeia de produção. Exemplificando, imagine uma empresa cujas operações comerciais totais equivaleriam a uma contribuição de ICMS de um milhão de reais, mas suas operações de entrada totalizaram R$ 600 mil. Nesse caso, a firma teria um valor adicionado de R$ 400 mil. Faça o mesmo processo sobre todas as companhias de uma cidade e se tem o valor adicionado sobre aquele município.

Quanto aos outros 25% dos 25% que se deve repassar de ICMS aos municípios, a legislação paulista dividiu o montante da seguinte forma: (1) 13% em relação à proporção da população da cidade; (2) 5% da receita tributária própria do município no ano anterior; (3) 3% da área cultivada do município; (4) 0,5% da área dos reservatórios de água; (5) 0,5% em proporção às áreas protegidas; (6) 0,5% em relação às áreas de matas nativas; (7) 0,5% se existir Plano de Gestão de Resíduos Sólidos no município e; (8) 2% do número de municípios em São Paulo. Esses são os chamados índices de participação.

Em posse dos pesos que cada um desses índices de participação perfaz sobre o mecanismo de repasse de ICMS, falta apenas conhecer qual a proporção dos dados específicos de um município relativo ao total do Estado. Por exemplo, se uma municipalidade X tem sua média dos últimos dois anos de valor adicionado de R$ 2 milhões, enquanto o Estado produziu um valor adicionado total de R$ 2 bilhões na média dos dois anos anteriores, então se divide o primeiro número pelo segundo e se obtém uma proporção de 0,1%. Assim, a cada 100 reais de ICMS arrecadados pelo Estado, 10 centavos provêm daquela cidade.

Contudo, jamais esquecer dos índices de participação. Apenas 25% do ICMS total do Estado retorna para os municípios, portanto 500 milhões. Desses, o município X terá direito a 0,1% multiplicado pelo peso de 0,75 do índice de participação do valor adicionado. Nesse caso hipotético, será repassado em favor do município R$ 375 mil, considerando apenas o fator valor adicionado. O mesmo processo se repetirá para os outros índices. Se o município possui população de 30 mil pessoas e o Estado de São Paulo 44 milhões de habitantes, divide-se o primeiro pelo segundo e se multiplica por 13% e por R$ 500 milhões. Por conta de sua população, Município X também terá direito a cerca de 44 mil reais. A soma de todos os cálculos representa o valor final que São Paulo deverá repassar ao município.

A partir dessa breve apresentação, possível perceber como o Estado de São Paulo tenta ajudar financeiramente municípios que incentivam o meio ambiente, ao transferir uma parte considerável de ICMS para todos aqueles que tiverem áreas de matas nativas ou mesmo o plano de gestão de resíduos sólidos. Por outro lado, diferente do FPM, que repassa mais verbas aos municípios com menor PIB, percebe-se que não existe nenhum mecanismo de repasses de ICMS para cidades menos desenvolvidas, uma vez que a lei coloca na conta transferências diretamente proporcionais ao valor adicionado e à receita tributária do município. Existe também um outro problema oculto sobre esse sistema: o repasse para cidades cuja atividade econômica é isenta de ICMS. Tanto o segundo como o terceiro pontos serão melhor explicados e avaliados no próximo texto, onde finalmente irá se alcançar os problemas desse sistema de repartição.