Mello e Mataruco – Escritório de Advocacia Tributária

Reforma para quem?

Eduardo F. A. Santos

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Tem ganhado grande repercussão midiática o projeto para reforma do Imposto sobre a Renda, registrado na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº 2.337/21 (link). O que não se tem noticiado, no entanto, é que este projeto já nasceu repleto de ilegalidades e inconstitucionalidades, que se apresenta com um intuito orçamentário (buscando elevar receitas da União), mas pode gerar grandes prejuízos ao erário.

Para que se entenda melhor o ponto deste artigo, basta olhar para a famigerada tese do século. O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), por exemplo, estima que cerca de R$ 358,1 Bi do erário deverá ser devolvido aos contribuintes que buscaram proteção do seu direito à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS[1].

Não se pode colocar o peso orçamentário deste caso na caneta (ou certificado digital) dos ministros do STF. Aquele Tribunal Superior só cumpriu com sua missão (art. 102, CF), isto é, reconheceu a inconstitucionalidade de leis inconstitucionais. Mas aqui vai uma redundância que talvez não seja tão redundante: a inconstitucionalidade da lei não nasce no STF e sim no Legislativo.

E qual o efeito prático de leis como as que acabaram gerando casos como a tese do século? O largo favorecimento concorrencial dos grandes players do mercado, isto é, daqueles que conseguem melhorar sua eficiência operacional deixando de pagar (ou recebendo de volta) tributos que não são devidos.

Dito de outra forma, as leis inconstitucionais se voltam contra o próprio Legislador (vide o problema dos R$ 358,1 Bi, acima mencionados) e favorecem a grupos pequenos de pessoas, notadamente, aqueles que tem acesso a bancas de advocacia especializadas e qualificadas suficientemente para identificar as inconstitucionalidades e questioná-las administrativa ou judicialmente.

Nesse contexto, a reforma tributária do Imposto de Renda parece ser mais uma reforma que favorece estes grupos do que uma reforma que favorece o Brasil. É temerário afirmar que seria uma reforma para o Brasil, ou para o povo. Na verdade, trata-se de uma reforma para alguns brasileiros.

Para mencionar apenas duas das inconstitucionalidades do Projeto de Lei, basta olhar a questão dos dividendos e a questão dos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Instituir, com uma mão, tributação de dividendos e reiterar, com a outra, a tributação do lucro das pessoas jurídicas é o mesmo que decidir tributar duas vezes uma mesma renda. A bitributação é flagrante e apenas uma das inconstitucionalidades deste ponto específico.

Sobre os JCP, o projeto pretende fazer com que deixem de ser dedutíveis do lucro real tributável das pessoas jurídicas. Ora, em toda a rigidez constitucional, uma despesa não é dedutível ou não pelo fato do Legislador o dizer, mas apenas pelo fato de ser despesa. Caso a lei diga que os JCP deixaram de ser despesa, isso pouco valerá, porque o conceito de despesa decorre, do próprio conceito de receita e este está constitucionalmente demarcado. Se da noite para o dia a Receita Federal começar a exigir IRPJ sobre os JCP, simplesmente violará a Constituição Federal, da mesma forma que uma lei que assim disponha.

Nas palavras de Roque Antonio Carrazza, cada contribuinte tem “direito constitucional subjetivo de só serem tributados de acordo com estas regras-matrizes[2]. Se for aprovada a reforma tributária, o legislador será conivente com pelo menos duas lesões ao Brasil e seu povo:

  1. Permitirá que a livre concorrência seja fortemente abalada, porque inúmeros contribuintes não assessorados suportem grande elevação da carga tributária enquanto outros perseguirão o direito de ser tributado apenas na forma da Constituição;
  2. Permitirá que daqui a alguns anos o Poder Executivo tenha um problema orçamentário ainda maior que o de hoje, porque se com a tese do século se estima um rombo de R$ 358,1 Bi nas contas públicas, o que se há de esperar para uma reforma tão significativa como a que tem tramitado na Câmara dos Deputados?

Para voltar ao exemplo da tese do século, desde 2007 (quando do RE 240.785) o Legislador já tinha condições de saber que daria no que deu. Entretanto, mesmo assim continuou cobrando PIS e COFINS indevidos. De igual maneira, há assessoramento legislativo suficientemente qualificado para que o Legislador esteja ciente de que o PL 2.337/21 é inconstitucional. Mas neste caso o leite ainda não foi derramado, ainda se está em tempo de evitar uma reforma que definitivamente não é para o Brasil.

 

[1] https://www.gazetadopovo.com.br/economia/decisao-stf-tese-seculo-gerou-358-bi-reais-empresas/?ref=escolhas-do-editor

[2] CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 13ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2009, Capítulo XVI, pp. 700.