Mello e Mataruco – Escritório de Advocacia Tributária

Locações Imobiliárias após a Reforma Tributária

Importante mudança ocorrerá na tributação das locações com o advento da Reforma Tributária. As operações de locação de bens imóveis, que atualmente não são fatos geradores de ICMS ou ISS, passarão a ser tributadas por Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) após a entrada em vigor do novo imposto de competência concorrente Estadual e Municipal[i]. Os desafios sobre a nova hipótese de incidência são inúmeros, sendo que pelo presente artigo tentar-se-á colocar um pouco de luz sobre o assunto.

De início, tem-se que referida tributação terá uma redução de 70% da soma das alíquotas aplicadas pelo Estado e pelo Município da localização do imóvel, benefício ampliado para 80% para os aluguéis realizados em áreas de reabilitação urbana nos 5 anos subsequentes à expedição de habite-se. Considerando a alíquota de referência estimada pela Lei Complementar 214/25 (de 26,5%), a tributação geral (IBS/CBS) dos aluguéis possivelmente girará em torno de 8%[ii]. A base de cálculo será o valor do aluguel, incluindo-se valores de juros e atualizações monetárias nos pagamentos em atraso, de outro lado, sendo admitida a exclusão dos tributos e emolumentos incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, por exemplo, bem como as despesas condominiais acaso existentes.

Os arrendamentos (mesmo os rurais), bem como demais cessões onerosas de uso são equiparadas à locação do imóvel. Nada foi dito pela LC 214/25 sobre os contratos de parceria rural, o que gera certa insegurança sobre a incidência ou não de IBS/CBS sobre os valores recebidos pelo parceiro- proprietário, principalmente nos casos de sua contribuição ter sido apenas com a terra nua. A princípio, arrisca-se dizer que não haverá tributação, dado que cada um dos parceiros deverá sofrer tributação no momento da venda dos frutos percebidos em decorrência da atividade agrária, mas a questão parece carecer de maior aprofundamento.

A situação dos aluguéis de temporada e das recentes locações por demanda (realizadas por sites como AirBNB) foram tuteladas pela novel legislação, sendo que todos os aluguéis por período não superior a 90 (noventa) dias ininterruptos, serão tributados de acordo com as mesmas regras aplicáveis aos serviços de hotelaria.

Grande celeuma deve se concentrar nos sujeitos passivos da obrigação, dado que a LC 214/25 considera que em determinadas condições a pessoa física também será contribuinte de IBS. Focando-se apenas nas operações de aluguéis, será considerado como contribuinte regular de IBS (e CBS) a pessoa física que no ano-calendário anterior: 1) tiver receita total com locações que exceda R$ 240.000 (duzentos e quarenta mil reais)[iii]; e 2) que referidas locações tenham por objeto mais de 3 (três) bens imóveis distintos. Ainda, se o valor das locações exceder 20% do limite de duzentos e quarenta mil reais, a tributação de IBS/CBS ocorrerá no próprio ano-calendário. Importante frisar que ambas as condições devem se perfazer (valor e número de imóveis) para que haja a tributação.

Uma primeira constatação é que referida tributação, que pode ou não ocorrer para as pessoas físicas locadoras, deverá trazer novas variáveis para a constituição das famosas “holdings patrimoniais”, principalmente daquelas utilizadas para a exploração de atividades imobiliárias. Se no modelo atual há vantagem indiscutível na tributação das receitas de aluguéis pela pessoa jurídica, o novo sistema demandará estudos mais aprofundados, principalmente para aqueles que tiverem até 3 (três) imóveis ou que aufiram menos de R$ 20.000,00 mensais com operações de locação. Ressalva-se que nas hipóteses de copropriedade poderá haver tributação de apenas parte do aluguel, se algum dos coproprietários for contribuinte regular de IBS/CBS, enquanto outros não.

Para além disso, merece crítica a lei geral do IBS/CBS. Para aqueles que tem curiosidade histórica, há vários exemplos no mundo de tributações desastradas sobre imóveis que levaram inclusive a aberrações arquitetônicas[iv]. Exemplo clássico foi a taxa criada no século XVIII sobre as janelas de residências no Reino Unido, resultando no fechamento com tijolos de várias frestas. A LC 214/25 falha nesse sentido, pois tende a ferir a neutralidade tributária e econômica. Não é difícil, em exercício imaginativo, pensarmos que construtores com intenção de auferir receitas de aluguéis tenderão – por exemplo – a fazer grandes cortiços sob uma mesma matrícula/cadastro municipal, para não ultrapassarem o limite de 3 imóveis que os exime de pagamento de IBS/CBS.

Um fato que deve trazer preocupação àqueles que por uso e costume realizam contratos de aluguel “de boca”, principalmente com pessoas de sua confiança, e com isso arriscam-se em não oferecer tais receitas à tributação – não apenas de IBS/CBS, como também de Imposto de Renda – é que é prevista pela LC 214/25 a utilização do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), integrante do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), que deverá integrar em um código identificador único todos os imóveis urbanos e rurais do Brasil. O detalhe é que como as atuais fiscalizações decorrem essencialmente de cruzamento de dados, ficará muito fácil à Receita Federal do Brasil e aos demais entes tributantes estaduais e municipais a verificação de receitas de aluguéis sonegadas por meio de informações ou cadastros de residência dos locatários.

Voltando ao que interessa aos cumpridores de seus deveres fiscais, temos ainda que os contribuintes regulares de IBS/CBS nas operações de locação – pessoas físicas ou jurídicas – precisarão ajustar seus cálculos e procedimentos para contarem com os créditos decorrentes de compra de bens e serviços necessários à manutenção da atividade econômica. A não-cumulatividade plena do IBS/CBS permitirá desconto de créditos em atividades de manutenção/reforma dos imóveis, desde que o fornecedor também apure IBS/CBS pelo regime regular. Isso inclusive deverá gerar prejuízos para nanoempreendedores (novidade da LC 214/25), microempreendedores individuais (MEI), bem como microempresas e empresas de pequeno porte (MEs e EPPs) optantes pelo Simples Nacional que não apurem IBS/CBS pelo regime regular, dado que não conferirão créditos dos novos tributos aos seus adquirentes.

Jamol Anderson Ferreira de Mello Jamol Mello , OAB/SP 226.577, é advogado, graduado pela UNESP, pós-graduado pela PUC/SP e FDRP/USP


[i] Haverá tributação também por Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), mas à exceção das hipóteses em que as pessoas físicas forem consideradas contribuintes regulares de IBS/CBS, não parece que quanto à contribuição de competência federal haverá grande alteração da carga tributária, posto que ela substituirá os atuais PIS/COFINS, com melhorias quanto aos créditos de não-cumulatividade.

[ii] Para as Zonas de Reabilitação Urbanística, esse percentual deve diminuir para cerca de 5 a 5,5% da alíquota base.

[iii] esse valor será atualizado mensalmente a partir da data de publicação da Lei Complementar 214 (janeiro de 2025) pelo IPCA.

[iv] A esse respeito, a curiosa matéria constante de https://caosplanejado.com/5-exemplos-de-legislacoes-que-influenciaram-a-arquitetura-pela-historia/

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